sábado, 29 de novembro de 2008

O rei e os súditos

Logo na primeira vez que vi o livro Roberto Carlos em detalhes em uma livraria, não titubeei: comprei-o na hora. Sabia que o trabalho de pesquisa de Paulo Cesar de Araújo prensado em 500 páginas corria sério risco de ser recolhido das lojas por força de alguma ação na Justiça do cantor mais famoso de Cachoeiro de Itapemirim (ES). E foi mesmo o que aconteceu, dias depois.

Após dois anos, ajudado pela crise que me fez abandonar de vez os quadrinhos comerciais da Marvel e da DC Comics, aproveitei as férias para tirar da gaveta a tal obra e devorá-la em cinco dias úteis de leitura. Roberto Carlos é rei mesmo, concluo. Com todos os méritos. Mas nenhum rei é perfeito, sabemos hoje, desde a Revolução Francesa.

Paulo Cesar de Araújo é fã assumido do rei e deixa isso bem claro em todo o livro, exagerando um pouco ao analisar algumas canções, que seriam perfeitas à luz de sua interpretação. Mas isso não atrapalha em nada a leitura, já que nada é mais comprovador do sucesso de RC do que o vastíssimo repertório do artista.

Isso eu pude comprovar enquanto lia o livro. Ao sair nas ruas, ainda com alguns trechos na cabeça, vi várias referências ao rei, como o cara da banca que mesmo sozinho cantava em alto volume uma das canções de RC. Ou ao passar ao lado de um prédio, onde dava para ouvir ao longe um vinil antigo dos anos 80, aquele que tinha o clássico Cama e Mesa.

Algumas coisas podem ser positivamente destacadas no livro:

>> O acidente: com cuidado e sem esbarrar no sensacionalismo, o autor conta o acontecimento em que o rei perdeu o pé direito e um pedaço na canela. Ele tinha apenas seis anos de idade quando foi atropelado por um trem, em Cachoeiro, cidade toda cortada por linhas férreas. RC viveu até os 15 anos andando com a ajuda de uma muleta e só foi usar uma prótese quando foi morar no Rio. Mas fica claro no livro que ele teve uma infância muito feliz e que isso não o atrapalhou a ir para a capital federal tentar se lançar como cantor.

>> O parceiro: Paulo Cesar de Araújo tem todo o cuidado de se referir a Erasmo Carlos como figura fundamental no processo de composição da dupla. O curioso é que ambos tiveram apenas uma briga, esta causada pelo fato de na época acharem que Erasmo era o compositor de fato, enquanto o rei apenas incluía seu prestígio na parceria.

>> Os amores: RC viveu intensamente o romance com a atriz Myrian Rios nos anos 1980. Isso fica evidente pela sua expressão de felicidade nos especiais da época. É só pesquisar no You Tube. Ou olhar as composições nos LPs deste período. A história mais recente, de seu relacionamento com Maria Rita, está toda lá também, em um forte e comovente relato.

>> Os compositores: o livro detalha bem sobre todos os artista lançados pelo cantor, como Isolda, Marício Duboc, Antônio Marcos, entre outros. Todos conseguiram comprar ao menos um apartamento graças às boas vendas dos discos de RC. Vale destacar a passagem com Carlos Colla, compositor que largou a profissão de advogado atuante na luta contra o regime militar depois de presenciar duas situações trágicas ligadas à tortura e ao terror.

>> O carisma: fica claro um dos principais motivos do tamanho do sucesso do rei. Até começar a apresentar o programa Jovem Guarda na TV Record de São Paulo, RC era um cantor entre muitos outros. A partir do momento em que seu rosto apareceu na tela, tudo passou a ser diferente. Pode-se dizer que sua boa imagem na televisão ajudou a construir este mito. Não é à toa que ele é contratado exclusivo da maior emissora de TV do país.

>> Os vacilos: claro, o rei erra. No início da carreira, influenciado pela revolução da maneira de cantar de João Gilberto, optou por imitá-lo. Só depois, barrado na bossa nova e depois de muito aconselhado por amigos, aderiu ao rock. Nos anos 80, mandou um telegrama de apoio ao presidente José Sarney pela proibição do filme Je Vous Salue Marie, de Godard, provocando a ira dos artistas e intelectuais. Mas o maior vacilo foi a proibição deste livro, que só exalta a figura de Roberto Carlos. Pô, bicho, sai dessa!

Para fechar, recomendo dar uma espiada em tudo o que tem do rei no You Tube. Mas pincei esta pérola de 1965, dos arquivos da TV portuguesa RTP, quando RC ainda tentava se firmar na carreira. A música é Coimbra (Raul Ferrão e José Galhardo), do disco Jovem Guarda, do mesmo ano. Repare na bandinha RC-3, com o rei na guitarra, sem o alisamento no cabelo que lhe dava tanto trabalho.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Allen e elas

Este blog ainda não tem um ano, e já vou escrever sobre mais um filme de Woody Allen. No dia 21 de maio, há quase exatos seis meses, no texto Olha o Allen aí, sobre O Sonho de Cassandra, ratifiquei que o diretor era um dos meus cinco favoritos.

O recém-lançado e muito esperado Vicky Cristina Barcelona, considerado por muitos como o melhor filme recente do autor, é um colírio para os espectadores masculinos, mas é altamente recomendado para as mulheres.

A foto ao lado mostra o quão disputado é o diretor judeu, que parece ter superado os traumas que conhecemos dos fantáticos primeiros filmes cômicos. Penélope Cruz, Scarlett Johansson e Rebecca Hall são as atrizes que interpretam as belas e problemáticas mulheres em foco no filme.

Para as espectadoras, vale a presença do ótimo (e bonitão, temos que admitir) ator espanhol Javier Bardem, vencedor do último Oscar de melhor ator coadjuvante por Onde Os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Coen. Uma espécie de figura com todas as qualidades de galã dos filmes de Pedro Almodóvar, mas que revela ter também os problemas emocionais típicos dos personagens do Allen.

O que quero dizer é que tem um personagem central no filme que curiosamente não está no cartaz: Vicky, interpretada por Rebecca Hall, atriz que construiu sua carreira basicamente na TV. É ela quem tem a tal curva dramática na história, que cede aos encantos do galã Juan Antonio, apesar de não admitir desde o início se render a tais paixões. As outras atrizes também estão ótimas. Mas Rebecca é o "Woody Allen" do filme, com seus questionamentos e piadas ferinas. Por isso, atenção a tudo o que ela diz!

A fase européia de Woody Allen rendeu quatro bons filmes. Além de Vicky... e O Sonho de Cassandra, tivemos o suspense Macht Point e a boa comédia Scoop. Um lançado a cada ano desde 2005, sem desgastar o sensacional diretor. Isso me faz lembrar uma boa história, contada por um amigo. Ao entrar em uma locadora, ele perguntou sobre filmes do Woody Allen. O dono da locadora chutou feio: "Ih, esse cara quase não faz filme, rapaz..."

Música que não sai da cabeça
O tema do filme é chicletinho e fica martelando na mente depois que a fita acaba. Tem um charminho especial, típico dos temas do diretor, quase semelhante àquelas letrinhas que entram sobre o fundo pretos em todas as produções de Allen, assim como o "Cast (in alphabetical order)".

O nome da bandinha é Giulia y los Tellarini, e a música se chama, é claro, Barcelona.
Ei-los abaixo em uma apresentação na TV3.

Banda francesa invade a praia

Uma ótima surpresa estava esperando os transeuntes na Praia de Ipanema, neste feriado do dia 20 de novembro. Uma minibanda francesa chamada Globe Note animou o dia ensolarado entre os postos 10 e 11, na altura do Jardim de Alah.

Pela explicação breve do músico que melhor arranhava português, o grupo é de jovens integrantes de uma ONG, que tem por objetivo viajar por três continentes (América do Sul, sudeste da Ásia e leste da África e animar crianças destes locais com suas fanfarras animadas.

O grupo é formado por músicos amadores. Portanto, esperar concertos magníficos é bobagem: eles tocam como se tivessem acabado de se conhecer, com menos compromisso com a perfeição do que com a animação. E se arriscam a dançar e pular, como fizeram no ensolarado asfalto da Avenida Vieira Souto.

Eu conversei com um dos músicos (o que fala melhor português) e disse a ele que, se passasem alguns meses no Rio, acabariam virando um sucesso instantâneo. Eles são a cara de um possível verão 2009. E pela animação com que foram recebidos pela platéia na Zona Sul, acho que vamos vê-los de novo por aqui.

Fiz um pequeno vídeo, com um trecho de um dos arranjos na banda: "Thriller, do Michael Jackson".

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Tupi or not Tupi?

Existem algumas maneiras de se perceber que estamos ficando velhos. Uma delas é quando só você em uma roda de amigos se lembra de alguma referência antiga sobre televisão, como comerciais, programas, novelas ou vinhetas. A maior prova de que você se aproxima da tal meia-idade é quando você se lembra da extinta TV Tupi.

Era a rede de TV criada pelo polêmico Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados. Faliu em 1980, saindo do ar depois de uma vigília de 18 horas de transmissão ao vivo, ininterrupta, comandada pelo apresentador Jorge Perlingeiro (ele mesmo, o do "só se for agora" e do "vamos às notas"). A biografia que está na Wikipedia é bem completa, tanto a da TV Tupi quanto a do Chatô. O livro escrito por Fernando Morais, "Chatô", é obrigatório para jornalistas.

Pois a sede e o estúdio da emissora no Rio funcionaram no bonito bairro da Urca, exatamente onde era o famoso Cassino da Urca, que ficou fechado entre 1946 até 1950, quando Chatô instalou ali seus equipamentos. Mas o prédio, que pode ser visto de longe no Aterro do Flamengo, após abrigar a TV por 29 anos e dez meses, começa a ser reformado exatamente 28 anos depois daquela vigília.

Lá vai funcionar a sede carioca do Instituto Europeo de Design (IED), uma espécie de universidade multinacional. Já conversei com um amigo morador do bairro (daqueles ferrenhos defensores da Urca como ela é) e saí razoavelmente convencido de o colégio pode provocar um pequeno transtorno ao simpático lugarejo.

Mas o post não visa a analisar a iniciativa do prefeito Cesar Maia de usar o espaço para o IED, ou se isso vai ajudar ou não o bairro, se vai ou não influenciar a vida dos moradores. É só para dizer que, como lembrou meu amigo Carmélio (do blog Estrelamoto), vizinho do Cassino, ele fica bem mais bonito agora do que do jeito que estava.

E tem mais!
Fuçando a rede para não escrever besteira, achei este vídeo sensacional, postado no maravilhoso You Tube (a maior preciosidade da internet). Terminada a vigília dos funcionários da Tupi, na sede do Cassino, alguns funcionários continuaram registrando os tristes momentos, em que suas vidas passaram a ser um ponto de interrogação. Imagens que nunca foram ao ar. Mas que podem ser vistas aqui, graças ao Jorjão Henriques, que o postou no You Tube com o seguinte texto.

"Ao encontrar uma fita Umatic no lixo, deparei com estas imagens gravadas para TV Guanabara (BAND). Mofada, limpei, passei pelo recortech da TV Manchete e deu para salvar.A todos colegas desta época aqui vai um abraço. JORJÃO 18/07/1980"

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A rainha Diablo

Meu amigo Carmélio já tinha me alertado para a qualidade da Revista Piauí. Eu demorei para constatar isso por causa do meu preconceito com revista grandes, pensando na dificuldade de lê-las dentro dos ônibus e metrôs. Uma tremenda chatice da minha parte.

Mas desde setembro, quando dei início a algumas mudanças de hábito de leitura, resolvi incluir o revistão no meu cardápio, que inclui a insossa Veja, a Placar e National Geographic. Resumindo: hoje, conto os dias para que o mês acabe, pois (além da entrada do meu merecido salário) está chegando a nova Piauí às bancas.

E a revista desse mês traz um dos textos mais engraçados que li ultimamente. É da menina ao lado, Diablo Cody, a tal roteirista que chegou a ser dançarina stripper, última ganhadora do Oscar de melhor roteiro original, com o simpático filme Juno, aquele da adolescente grávida tagarela que resolve vender o futuro bebê.

Pois é do outro ofício que Diablo fala neste texto autobiográfico, onde ela se permite dar umas pitadas de pimenta, com humor pesado, sarcástico e cara de pau. Selecionei alguns trechos que me fizeram quase cair do banco do ônibus de integração do metrô até a Barra.

Crianças, saiam da sala!

"...sempre fui um ser humano do sexo feminino bem-comportado. As provas: nunca havia andado de moto, nem naquelas japonesas fraquinhas. Nunca havia engravidado por acidente ou feito um aborto. (...) Nunca joguei bebida na cara de alguém no meio de um porre. Nunca furtei batom numa loja bacana. Eu era um saco, queridos."

"A maioria das garotas que eu conhecia odiava strippers com a mesma fúria reservada a estrupadores em série. (...) Pouco importava se aquilo fora pago, e feito de livre e espontânea vontade: era culpa exclusiva da stripper ousar divertir um pênis que havia sido tão difícil de ser conquistado por uma garota."

"...Minneapolis é o lar de pelo menos quatro lojas que atendem a sua população curiosamente grande de strippers. (...) Suando em bicas no meu casacão, me dignei a entrar. (...) Naquele lugar, uma garota podia ser tudo o que quisesse, da Cher a Cheetara dos Thundercats."

"A stripper que estava no palco tinha tirado o sutiã e lançava insultos à multidão indiferente.
- Eu estou pelada, porra! - gritou ela. - Vocês podiam pelo menos olhar para mim!
Um sujeito meio careca caiu numa gargalhada que mais parecia um milkshake de nicotina sendo batido no liqüidificador."

"Kayla, a ruiva com quem eu havia falado, agora estava nua em frente ao espelho (...). Parecia pesar uns 40 quilos, os dois conjuntos de costelas visíveis através de sua carne translúcida. Ela me lembrava a mulher de vidro do Museu de Ciência de Chicago, cujos sistemas vasculares e o tecido do peito acendiam com um aperto de botão."


Enfim, tem muito mais no texto. E coisa muito boa na revista.

Momento You Tube - X

Em homenagem à fusão dos bancos, vamos relembrar algumas marcas que já partiram desta para melhor. Dois bancos que primaram pelas propagandas criativas nos Anos 80, mas que não sobreviveram às crises e às gigantes multinacionais.